quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A chegada...

Após os altos e baixos, chega o último ano de faculdade. Dezembro de 2009 marcaria o mês da conquista de uma etapa. Estando a turma reunida em uma sala da Faculdade iriamos escolher naquela noite o ORADOR da turma. Foi disposto 2 nomes e fui presenteado com tal honraria. o silêncio em meus ouvidos tomaram de conta e me embrulhou o estômago. Não sabia o que falar a todos, as palavras fugiram...


Lembro-me que montei um texto cheio de palavras difíceis e complicadas, de um português digamos: barroco. Enviei o texto ao meu amigo e professor de português Jocifran e obtive como resposta: "...li seu texto, muito bom, no entanto, tenho certeza que poderia ser melhor..." Aquelas palavras me renderam ao chão, pior...restavam 5 dias para a oratória.


Faltando 3 dias, cheguei em casa e tive uma vontade de escrever de uma forma simples, dinamica e principalmente: sendo eu próprio, e de uma vez só, surge o texto de minha oratória que vos publico na íntegra:



"Caros presentes, ao som deste carimbó do Mestre Pinduca recebiamos assustados a notícia mais aguardada: FOMOS APROVADOS! O mundo que estava em nossas costas pela pressão exercida do vestibular repentinamente levitou, e acreditem quando diziamos que não acreditavamos no feito era a mais pura verdade, parece ser um sentimento próprio de uma conquista difícil achar que não somos capazes.

Manaus, 15 de dezembro de 2003, sexta-feira...como a cidade ficou pequena, quão minúsculo ficou o planeta com tanta felicidade que transbordavamos entre sorrisos e lágrimas, distribuiamos abraços como doidos varridos e tivemos status de pop star em nossa família, éramos notícia...Quando chegavam visitas em nossas casas já não chamavam por nossos nomes, funcionava mais ou menos assim: “Fulano vem cá, quero te apresentar pra ciclano” E chegavamos ao ciclano e a apresentação era completada: “Olha esse que passou no vestibular pra Medicina” De cabelos raspados e encabulados saíamos da cena. Tudo era festa.


Olha essa história que o homem tem que plantar uma árvore, escrever um livro e ter filhos está incompleta, antes de morrer, devemos experimentar passar no vestibular, caso contrário, nosso organismo não sentirá o conjunto de sensações tão conflitantes e ao mesmo tempo tão normais que extremessem o corpo e tremulam a mente pertubando cátions e ânios com tal acontecimento; fica o convite aos próximos...

Muitos de nós viemos do interior do Amazonas deixando seu município de origem, e não só isso, ao embarcarmos para manaus prometemos pra nós que retornariamos apenas formados, e em hipotese alguma fracassariamos. As paredes verdes-clara que nos circundam deram o tom durante esses 6 anos de nossa nova casa: A Escola Superior de Ciências da Saúde, e lá, encontrariamos outros agraciados com uma vaga de medicina até então desconhecidos...e mal sabíamos que além de uma nova casa ganhavamos uma nova família. A solidão e a tristeza pela distância era atenuada com a presença de nossos novos integrantes da família e nossa família se confundia com a família deles tecendo uma corrente inquebrável.


Ah a saudade, abdicamos nossos quartos, o lugar na mesa de jantar, a comida saborosa da mamãe, as brigas com nossos irmãos, a repreensão dos pais, o cachorro, nossos amores, as regalias...Só não deixavamos que nossa conta bancária ficasse no vermelho, e como nossos pais foram heróis...a prova disso Senhoras e Senhores, é que hoje neste auditório nossos PAIS recebem o papel nesta cerimônia de PATRONO desta turma, por tentarem diminuir as distâncias geográficas e serem nossos sustentáculos quando muitas das vezes pensamos em desistir, e mais SENHORES PATRONOS, se somos agora formandos e dentro de instantes médicos foi pensando na felicidade de vocês neste momento. Sonhamos com esse dia com vocês chegando aqui, dos quatro cantos desta pátria verde e se esbaldarem de orgulho. Tudo está consumado.

A peleja foi grande e como aprendemos, conhecemos grandes nomes da medicina do nosso Estado, muitos deles nossos conterrâneos, alguns além de médico de homens eram médicos de almas, e assim fomos nos espelhando e desenhando nosso perfil profissional, traçando metas, superando obstáculos, um universo gigantesco formado de pequenas células revelava-se uma maquina perfeita a qual seus reparadores admiravam-na a todo instante.

Em nada resultaria o esforço se não contassemos com a paciência e a oportunidade dispensada por nossos professores que dentro de instantes, perante todos em nosso juramento proclamaremos: “Estimar tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte”. Representados aqui por nosso professora homenageada Dra. Kátia do Nascimento Colares a qual emprestou seu nome a esta turma firmando o compromisso que cada um de nós temos em honrar seu nome e indiretamente todos os nossos professores.

Professor Doutor Euler Esteves Ribeiro, nosso Paraninfo, seu SIM para o aceite de nosso convite demonstrou  o quanto eramos queridos, como foi especial saber que um profissional que tanto fez e continua fazendo pelo “homem da floresta” presencia este momento único em nossa vida e compartilha sua sabedoria. Dra Kátia Couceiro, Dr. Euler Ribeiro seus nomes estão gravados em nossos convites, cravados em nossa placa e eternizado em nossas mentes, assim como todos os professores que encontram-se anônimos nesta cerimônia.


Aos nossos familiares, avós e avôs, tios e tias, primos e primas, sobrinhos e sobrinhas, irmãos e irmãs muito obrigado pela torcida, unissonos dividiremos essa conquista com vocês...Nós conseguimos, Nós conquistamos.

Infelizmente a morte ceifa vidas e as recolhe de nosso meio, durante esta batalha ou talvez muito antes, perdemos pessoas importantíssimas que até então não nos viamos neste momento sem elas. Como é difícil perder alguem empenhado em nos amar tanto, a se doar de toda alma por nós, distribuir carinho igualmente sem demonstrar predileção. A separação entre esses dois mundos açoitam nossos corações e inviabilizam a subida deles em matéria concreta por essas escadas em direção ao nosso diploma. No entanto este é um momento mágico e sabemos que do lugarzinho habitado agora, vocês estão satisfeitos e radiantes de felicidade, nos ajudem...Pai valeu por não esquecer de mim nos momentos dificeis, TE AMO.

O mundo é formado de portas que dão acesso a conquistas e derrotas, e a chave da humildade destranca a todas e torna nossa passagem mais agradável. Oxalá nosso Pai Criador permita que nossos conhecimentos não suplantem a importância da vida e o respeito ao ser humano.


Existe uma pequena história sobre o lenhador, ele era conhecido por ser trabalhador e foi contratado por um Nobre Senhor, no primeiro dia de trabalho colocou ao chão mais hectares do que 2 homens em um dia de trabalho, porém caia de produção com o decorrer dos dias, e o Nobre Senhor lhe indagou: Lenhador não estás descansando em demasia? Ao menos amola teus instrumentos? E ele o respondeu: Senhor tenho trabalhado sem interrupções para entregar-lhe teu campo, não me resta tempo nem para o descando e muito menos para amolar meus instrumentos...

De nada teria valia a aprovação no vestibular, o orgulho de nossos pais, a oportunidade ofertada por nossos professores e o amor a nossa profissão se não mantermos nossos instrumentos afiados para a prática médica, reciclar nossos conhecimentos é nos armar de munições para concedermos melhor condição de tratamento aos nossos pacientes contra as mazelas que os afligem. Que levantemos a bandeira do MEDICARE, do latim: ato médico de cuidar, ao invés de dobrarmos o joelho para o REMEDIAR, ato paliativo sem possibilidade de cura evidente. Ao esquecermos o mecanicismo do atendimentos tenhamos em mente nossa função enquanto filhos de Hipocrates: “Consolar sempre, aliviar muitas, curar algumas vezes”.


Em Eclesiástico 38 versículo de 1 a 15 é ditado: “Honra ao médico por causa da necessidade, pois foi o Altíssimo quem o criou; toda medicina provém de Deus; virá um tempo em que cairás nas mãos deles, e eles mesmos rogarão ao Senhor”

Instruidos por tua palavra te pedimos Senhor Nosso Deus, passe em nossa frente e desarme todas as ciladas e tribulações, nos mantenha firmes na fé e nos use como instrumentos de tuas benfeitorias...Amém."      Manaus, 17 de dezembro de 2009. Dênison Lima Bentes






quarta-feira, 11 de maio de 2011

Força

De todos os sentimentos, o retorno para casa sem nosso pai foi o pior. Regressar a onde fomos criados e não reencontrar o elemento "papai" em nossa residência desolava-nos.
Dinamicamente a vida continuava, e fiquei angustiado ao perceber que depositado o corpo inerte de nosso patriarca o mundo girava sem esperar nosso restabelecimento, as obrigações acumuladas após o óbito deviam ser resolvidas. Lembro-me  dos amigos, ligações, preocupações no retorno para as atividades da faculdade, sem dúvida, não seria mais o mesmo.
De agora em diante pensava: vou suportar sua ausência em minha formatura? Fará sentido continuar um show no qual as principais palmas foram ocultadas?, olhei para meu lado, e percebi naquele momento, no retorno do cemitério, que tinha perdido um pai no entanto ganhado outros 3, ( Rildo, Amilcar e Gilson), e 2 mães ( a genitora, e Rosemere), e não podia decepcioná-los.
Tenho irmãos constituídos de minha faculdade, pessoas dignas, como foram e são importantes em minha vida. Alison Martins, Adam Martins, Carlo Valdivia, Daniel Oliveira, Bergson Alves e Egreen Baranda, faço uma homenagem aos amigos irmãos que enriqueceram minha vida com vossas presenças, e deram sentido a palavra AMIGO. Rimos, estudamos, choramos em três momentos: a morte passada, o bota fora, e em nossa formatura, nada mais, pois não há na tristeza utilidade alguma.
Hoje distantes, falamos poucas vezes ao telefone. Ao Mestre Jocifran, da mesma maneira. Já diria Vinicius:
"Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!"

terça-feira, 8 de março de 2011

Ao meu amado Pai

No tabuleiro da vida somos peças dispostas. Existem momentos onde cada pedra é movimentada ao seu momento, e por mais confuso seja o rumo, só entenderemos a jogada ao final, o ano de 2003 marcou a vitória a superação, achava eu ter atingido todas as metas...o fato é: após o diagnóstico do meu pai de Hanseníase Puramente Neural, parece ter acionado o cronometro, e dali pra frente, seguiram-se algumas intervenções cirúrgicas para liberação de seu nervo espessado, melhoras em seu estado e ao mesmo tempo decaídas , mas, sem minha aprovação no vestibular não teria acompanhado seu tratamento, e todas as minhas férias foram dedicadas ao cuidado de meu pai.
Aos 67 anos de idade sonhava ainda em andar, homem simples, conhecido no "igarapé dos Currais", filho de Mário Lobo, admirado pela retidão, palavra e trabalho. Lembro quando saímos de Manaus com destino a Parintins logo depois do seu diagnóstico e do procedimento cirúrgico, queria retornar ao seu habitat, navegamos juntos em direção ao lugar onde nasceu, fazenda Aliança, lá tomou banho de rio e expôs sua melhora momentânea, ele era duro na queda...


Já aprovado e cursando o final do terceiro ano início do 4 ano de faculdade, precisamente no dia 21 de janeiro de 2006, me encontrava em Parintins junto com meu irmão Amilcar, por volta das 20:00h, recebo um telefonema dando conta que meu pai estava na UTI, supostamente teria sofrido um AVE. E ali, naquele instante iniciaria sua via crucis. Não tive coragem de vê-lo e durante 14 dias fugia dessa visão, apesar de absurdo, passou em minha mente que talvez ele estivesse nos esperando para partir, e então resolvi ir ao seu encontro.
Na UTI, estava ele, como um Andróide em reparo, cheio de tubos e proteções, visão que mesmo como médico fugiu a meu controle, tentei não chorar, no entanto, olhando em seu corpo cansado me rendi a suas supostas dores, mesmo compreendendo seu estado comatoso restava-lhe a cura das dores da alma. Naquele momento pensei imediatamente se havia deixado de lhe dizer algo, e em minha lembrança vaga nada veio em mente. Beijei seu rosto gelado e pálido, e até hoje carrego aquela lembrança.
Meu irmão Gilson foi incansável, todos os dias o visitava na UTI, e para mim, restava o amargor de passar em frente todos os dias do hospital e lembrar de dar bom dia ou boa noite ao meu bom e velho pai. Os horários da visita quase sempre não batiam com os horários da faculdade, mas, sábado e domingo eram sagrados a visita...geralmente minha mãe e eu, ao insistir, Gilson entrava também. Imaginem um procedimento? Então meu pai fez, foi traquestomizado, recebeu drenos bilaterais de tórax após desenvolver uma pneumonia por S. aureus, debridamentos de escaras enfim, passou por uma batalha interminável.
Durante nossas visitas, tentávamos nos agarrar em pequenos gestos que julgávamos ser de lucidez ou orientação, esboçávamos desenhos de sorrisos em seus lábios, fotos e até vídeos em sua frente na tentativa de fazer lembra-lo ou dar sentido em sua luta. Será que nos notou? Ele estava lúcido? Escultou nossas noticias e orações? Não sabemos...
Durante longos nove meses no CTI, vimos outras familias perderem seus parentes, e seu Manoelino estava alí, jovens morreram, conhecemos outras familias, ficamos agradecidos pela equipe que cuidava dele, lembro-me de um nome Socorro, ela o cuidava como seu Pai. Festejamos no dia 06 de junho de 2006 seus 70 anos, levamos bolo, salgado e refrigerante a toda equipe do CTI, tivemos a chance de nesse dia todos, verem e parabenizar um Pai que bravamente fugia da morte.
Um dia, o encontramos sentado na poltrona, e fomos informados que ele receberia alta para o quarto, não nos contivemos, e ficamos enlouquecidos de felicidade com a oportunidade real de todos em comum sairem daquela pelegrinação e claro, ter melhor acesso a ele. Ao chegar no quarto, percebemos que o mesmo não tinha condições e pessoal treinado para cuidar dele, e novamente ele é reinternado na UTI.
No dia 03 de novembro de 2006, fomos informados que seus rins estavam em falência, somente a hemodiálise melhoraria seu quadro, sendo pra mim a gota dágua. Avisamos a toda equipe que em caso de parada cardiaca o deixa-se partir, nosso egoísmo em tê-lo entre nós deveria chegar ao fim, negamos a hemodiálise e nos preparamos para sua partida.
Ás 07h da manhã, meu irmão Gilson foi a missa na Igreja de São Sebastião, desejou profundamente que meu pai recebesse a comunhão por ele, e no seu interior, percebeu que assim o fez...Foi até a UTI e ao longe via a pressão arterial diminuir a cada mensuração, seus batimentos diminuíam vagarosamente, e as 8h da manhã do dia 05 de novembro de 2006, após a colocação do escapulário em seu pescoço, morre Manoelino de Oliveira Bentes, o homem cujo nome era conhecido em sua terra...
Inúmeros amigos me sustentaram nessa perda. Egreen, só posso dizer, você foi foda demais, teve presente a todo instante, um dia pegaremos um porre e conversaremos. Ezequiel Cabral, mosntro sagrado de Porto Velho, tão nervoso que ao não saber me consolar, comprou-me duas cocas e me entregou. Alison, Adam, Daniel, Carlo Valdivia, Bergson ainda falarei em detalhes desses meus irmãos que fizeram hoje eu concluir essa faculdade, claro, junto com minha mãe e meus irmãos.
Ao perder meu pai, além de emocionado por sua ausência eterna, lidava com a emoção do carinho e apreço que o devotavam, amigos de longe vieram prestar homenagens, coroas de flores de pessoas desconhecidas para nós mas amigas dele, rodeavam seu corpo inerte.
Acabava alí sua vida, e a nós, restava retornar para casa sem sua presença, e iniciar do ponto de parada as nossas vidas...