quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A colheita

     Já era final de junho, me sentia preparado para o enfrentamento, havia plantado todos os sonhos naquela prova, a esperaça, desejo, vontade...tinha que ser dessa vez. Na época, um fenômeno ocorreu, triplicaram-se o número de candidatos por vaga, e a meta continuava mais alta. A prova ocorreria as 13h de uma tarde de domingo de Junho na sala 06 da Universidade do Estado do Amazonas, em Parintins, minha cidade natal. Naquele dia, levantei, tomei café com meus pais, minha mãe ao lado direito de meu pai e eu ao lado direito de minha mãe, lembro-me das reclamações de dores ditas por meu pai, com semblante cansado, emagrecido, e pernas edemaciadas. "Minha mãe forte tentava maquiar a cena dizendo: Calma meu velho, durante o decorrer do dia vai melhorar"...      No almoço, meu irmão Amilcar, foi em casa e tudo transcorria com normalidade, exceto o conjunto de reações físico-químicas ocorrendo em meu organismo. Boca seca, taquicardia, banheiro de 15 em 15 minutos, abria a geladeira para pensar e lembrava toda saga trilhada, as inúmeras escolhas realizadas, as lágrimas, as saudades, as preocupações, pensava no peso sobre meus ombros, o desespero do fracasso, o medo de ficar mais um ano passando por todo pesar.
     Recebi ligações 40 minutos antes (por aí) do meu irmão Rildo, seguido de Gilson e Rosemere, por telefone, passavam as vibrações positivas, Gilson comentou uma frase que minha mãe falara a eles quando criança: "Vão lá e quebrem castanhas na boca deles ", uma maneira de dizer: mostrem para os que acham que vc não pode sua capacidade, deixem que mordam suas línguas. Terminado os telefonemas, meu coração palpitava, mão suava, tomei um banho, sentei em minha cama e aos prantos de tanta adrenalina rezei pra nossa senhora, pedi proteção e calma, que fosse feita a vontade de Deus, e se possível que combinasse com a minha vontade ( kkkkkkk).Acre: uma prova, Roraima: uma prova, Amazonas: 3 provas UEA, 4 provas da UFAM, nove derrotas, nada motivante.
     Me despedi de minha mãe e meu pai, tomei bença, e Amilcar me levou para o local da prova. De conversa só o silêncio, concentração máxima. Entrei na sala, deu o sinal de distribuição das provas, em seguida, o de ínício das provas, comecei escrevendo a redação, tema da redação: "Redija um texto falando sobre a política brasileira", 35 minutos depois tinha uma redação pronta. Iniciei o ataque as questões, tinha a sensação de já ter lido as questões em algum lugar, ví que apesar do sofrimento de 3 anos, tive contato com várias provas, além do que tinha resolvido inúmeras questões de vestibular.
     Quando percebi, restavam 20 minutos para o término da prova, e ela estava respondida, restando serem passadas 15 questões para o gabarito, recordo-me com exatidão devido ter percebido que existião apenas 5 candidatos em sala, e eu, estava muito satisfeito com a prova, pensei com o grito preso: "Vou passar nessa po... finalmente, ficarei até o final, quero meu nome junto com outros 2 candidatos assinado na sumula do lacramento das provas de minha sala, uma forma de deixar nos anais da história", maluquice? de forma alguma...
     Sai chorando da sala, a alegria explodia em minha cabeça, sabia que tinha ido bem, lembrei de toda minha história, a história da minha família, teria mais uma vez um médico meu pai, o caçula estaria encaminhado, pensei nos poucos amigos, queria ligar pro mundo e falar sobre a conquista, no entanto, a felicidade foi tanta que vim praticamente andando do lugar da prova pra minha casa com a prova em mãos. No início na Avenida Amazonas, um grande amigo do meu irmão chamado Gracilo me deu uma carona até minha casa, abracei minha mãe incontrolavelmente e disse: "Mãe eu te amo muito, obrigado por confiar em mim, obrigado por acreditar em mim, fiz a prova, e tenho quase certeza que passei", nossa... minha mãe me beijou, enxugou minhas lágrimas e lembrou-se de uma música chamada "marcha do vestibular" de autoria de Pinduca, um cantor paraense de carimbó, bem baxinho com voz emocionada escutei em meu ouvido: "Alô papai, Alô mamãe, põe a vitrola pra tocar, podem soltar foguetes que eu passei no vestibular"...
     Resolvi conter minha euforia, falei com meu pai dizendo que havia feito boa prova, no entanto, tinhamos que aguardar o gabarito oficial, recordo-me que a primeira pessoa a passar em casa foi minha prima Luane, demos uma volta e retornei para casa. Ao acordar na manhã seguinte, pontualmente as 9h da manhã peguei uma carona com minha vizinha chamada: Aline e fomos até a UEA, lá estava o gabarito...de fato estava concretizado; 63 questões havia errado 14.
     A partir daí comecei a escutar dezenas de possíveis pontuações, uns haviam errado 7, outros 10 e por aí corriam as notícias, resolvi aguardar o resultado do vestibular em Manaus na casa do meu irmão, e claro, iniciar os estudos para o vestibular da Ufam que ocorreria em dezembro daquele ano...

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A plantação

     Ao som de Vangelis (Conquest of the paradise) na noite do dia 10 de Janeiro de 2003, concatenamos o cronograma de quais matérias seriam estudadas, o tempo dispensado para o termino, e as provas que seriam realizadas. Elencamos o dia de folga: sábado a partir das 12h, o cuidado com a saúde: academia entre as 17:45 às 18:45 religiosamente, palavra de ordem: disciplina, pedido em vão: seria solicitar alguma excessão.
     Gilson rapidamente emplacou uma frase: "O sofrimento purifica", estando fragilizado de dois anos de grandes tombos, pai doente, desacreditado pelos amigos e alguns familiares, e reduzido a pó perante todos os odiadores e invejosos de minhas conquistas, tomava uma atitude de reclusão e dedicação que neste momento conotava não só a aprovação no vestibular, além, a resolução de todos os males.
     É..., definitivamente meu pai piorava a cada dia, as dores no membro inferior e o edema causado por essa polineuropatia idiopática eram insuportáveis,  tornando-o incapaz de realizar seu hobby predileto: andar pelo campo. Podemos considerá-lo criador de gado, não fazendeiro, pois, o primeiro se o rebanho esta bonito não se vende e se está feia não dá lucro, o segundo possuí uma visão totalmente comercial. Apaixonado pela natureza, descrevia em detalhes o som do capim roçando suas pernas, o sentimento completo de ter alcançado o lugar longínquo, a vontade do andar que agora lhe era cerceado.
     A aprovação em medicina melhoraria o astral de meu pai, dando-lhe motivos de ainda tentar lutar contra a doença rumo a minha colação de grau. Lembro-me que no ano de 2003 meu pai já havia passado centenas de unguentos como: gordura de sucurijú (cobra), óleo elétrico, pomada dos padres, pílula da vida, pomadas usadas em veterinária para problemas musculares, rezadeiras, benzedeiras e pior: Umbanda.
     Sendo uma família de católicos, vi todos os preceitos sendo jogados ao ralo e junto ao meu pai, presenciei cenas grotescas de charlatanismo como: tirar bichos como besouros e esporões de arraia do pé dele sem nenhum ferimento ou sangramento, fumar cigarro ao contrário, incorporações, desenterro de trabalhos em estradas, enfim, algo que me arrependo de ter participado e deixado de ser mais incisivo com meu pai sobre isso. Ao sabor do desespero, gostaria de provar a ele de minha capacidade, como num gesto mágico o extirpasse a doença que o corroía as entranhas e lhe trouxesse a vida sem dor, edema, sofrimento ou mentiras.
     Após 4 meses de estudo intenso, embarco para o Acre na tentativa de conquistar uma vaga na federal, neste vestibular fiquei em 10* na lista de espera dando real evidências de minha evolução.
     A religiosidade, graças a Gilson e Genise, ficaram evidentes em meus dias, minha sintonia com Deus e a Virgem Maria engrandeceu, só eles poderiam me dar forças, esperanças e a esperada cura ou ao menos diagnóstico da enfermidade de meu pai. Rezávamos um terço todas as noites, pelo meu pai, e claro, em favor da graça de ser aprovado no vestibular. Recordo-me de um momento mágico ocorrido numa noite de Junho, dias antes de minha prova. Estávamos em frente ao oratório rezando o terço, muito concentrados minha voz iniciou a ter altos e baixos, como quem quisesse chorar e tentava conter, fiquei com a voz tremula e os olhos cheios de lágrimas, e Senhores, de prova meu irmão, senti uma mulher vestida de azul celestial entrar no apartamento, ela veio em minha direção, sorridente, linda, jovem e dizia: dedique a última dezena às almas do purgatório. Não conseguia falar ao meu irmão, estava atônito, bestificado e assustado com que presenciava, ao mesmo tempo, me sentia sujo, pequeno em receber tal visita. De fato não consegui anunciar o pedido da Senhora, no entanto, meu irmão, anunciou inesperadamente o pedido: "esta dezena, em especial nesta noite, oferecemos as almas do purgatório". A confirmação...era verdade então, nunca havíamos feito tal pedido, e meu irmão confirmou a cena que presenciava, era Nossa Senhora...
     Em êxtase choramos muito nessa noite, tivemos uma prova de fé. Dias depois, rumava a Parintins para realizar a prova da Universidade do Estado do Amazonas, eram 11 vagas para 6 municípios, centenas de inscritos, era hora...a plantação estava pronta, restava-me tentar colher os frutos de toda essa peleja...que venha a prova.


Eis o Doutrinador e a Doutrinadora, saudades...

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O enfrentamento

Meu pai Manoelino e minha mãe Enildete, são primos próximos, ambos viviam no interior do estado do Pará, e interior, entende-se sem energia, tv, internet, estradas, e até mesmo motores para locomoção em embarcações, um povo sofrido onde seu futuro dependiam de duas coisas: trabalho e honestidade, essas eram moedas correntes da época. Destacavam-se os homens que eram honestos, onde nem sempre posses significariam honrar seus compromissos e a fama andava longe.
Meu pai estava praticamente as vésperas de namorar uma outra moça quando conheceu minha mãe, ela perdido a mãe aos 8 anos de idade e como na época era tradição que as filhas mais velhas cuidassem das mais novas em caso de morte da mãe, o que era o caso, minha mãe conta que morou com sua irmã Nadir, uma mulher letrada casada com um fazendeiro trabalhador onde tinha que ajudar nos trabalhos domésticos, lá chegou a cozinhar para 40 homens. Ele (papai) com fama de honesto, conhecido no Igarapé dos Currais como homem de coragem, onde jamais se viu uma mentira, ou se quer, não cumprir com suas obrigações, muito dedicado aos seus pais. Meu avô não tinha a quarta série, no entanto possuía uma letra de dar inveja a qualquer letrado, educado e bondoso era conhecido por suas famosas selas chamada: "Selas Mário Lobo".
Após o casamento, meus pais foram morar numa fazenda chamada Aliança, pequeno paraíso, onde na época era cercada de mata com um caminho estreito em direção ao lago Piraruacá ( Pira = peixe; Oca = casa; casa de peixes), uma casa modesta de palafita ( modelo de casas construídas sobre terrenos que recebem águas em períodos do ano, que no caso, chamamos de cheia), contruida em uma ponta de praia de água doce e negra que ao sabor dos ventos erguiam cristas de marolas brancas onde lentamente se desfaziam na praia branca da propriedade, o cheiro típico de frutas peculiares da região aromatizavam o lugar, e faziam deste pedaço de chão fecundo e acolhedor para o início de uma história.
Do enlace, nasceram neste lugar 4 filhos: Rildo, Rosemere, Amilcar e Gilson, todos descrevem com saudosismo os momentos de infância, onde não iam para as aulas de inglês, judo, ou creches, jantavam pontualmente as 18h da tarde e conversavam sobre o dia. Aos nove anos de idade meu irmão Rildo já lia os Gibis que meu pai trazia da cidade próxima (Terra Santa), além do que, tinha praticamente lido toda a bíblía, seu Manoelino compreendeu, precisava investir nos estudos de um menino que não se conformava com a sorte de permanecer ali, casar e construir uma casa ao lado ( como era costume).
Meus avós, possuíam uma casa em Terra Santa e para lá os quatro foram estudar. Gilson conta do susto levado ao se deparar com um caminhão alemão da época que cruzava a rua , o mesmo saiu disparado pelos quintais da vizinhança com medo de tal assombro. O estudo restrito, levou meu pai a tomar uma outra atitude, enviá-los a Parintins, e dessa vez minha mãe foi com eles.
Alugaram uma casa na Rua 31 de Março, coincidência ou não data de seu aniversário. Meu pai ficou na Aliança, tinha uma venda, espécie de mercadinho, e de lá extraía condições para manutenção dos estudos de seus filhos. Rildo percebendo as condições de seu pai, resolveu entrar no seminário para seguir os estudos e torna-se padre, o que foi um choque para meu pai. Dois anos depois, o superior do Seminário informa que Rildo não seguiria com o dom.
Ao sair do retiro, meu irmão decide rumar a Manaus, objetivo: estudar para o vestibular, problemas: não conhecia ninguém, meu pai não tinha como o manter em uma casa, no entanto, ele conheceu um padre no seminário que lhe deu abrigo nos primeiros dias de sua estada na capital do Amazonas. Após a acolhida na casa de um amigo de meu pai, a notícia de que Rildo não tinha futuro ( segundo esse"amigo"de meu pai) o deixou preocupado. Em absoluto, Rildo estudava obstinadamente, e 1 ano, 1983, foi aprovado em 14* lugar no curso de medicina. Entenda, viviam numa época mágica, ser médico era ter fé pública, era ser admirado, jamais passava até mesmo na cabeça de meu pai que um menino do Igarapé dos Currais passaria no Vestibular, o tempo, o som, e até mesmo a luz paralisaram para Manoelino ao ter a notícia que seu filho mais velho seria um médico. Inacreditável.
Por isso, Rildo recebeu minha homenagem na postagem denominada: A saga. Trata-se do iniciador de uma trajetória, pois, se ele conseguiu, nós também poderíamos. Ele me conta que mamãe estava grávida de mim de aproximadamente 7 meses quando o reencontrou, e não titubeou, carregou o prodígio no colo não atentando para sua condição de tanta felicidade.
No ano de 2002 morava com Rildo, como disse em postagens passadas, Gilson havia me convidado para morar, estava retornando de sua especialização em oftalmologia em São Paulo. O natal desse ano, passamos na fazenda onde nasceram, agora mais cuidada, uma nova casa toda avarandada construída com madeira de lei no exato lugar da antiga. Meu cunhado: Cândido, com meus sobrinhos: Tales e Thaís trouxeram um cajueiro, e plantaram no mesmo lugar do que havia, ele teria sido morto pelas cheias constantes que assolaram o lugar. Não entendia o motivo de nos locomovermos de Manaus até a fazenda, onde a logística era complicada e enfrentávamos 6 horas de barco, 40 min de estrada, e aproximadamente 1 hora de barco para chegar na Aliança.
Aquele natal foi mágico, meu pai, já adoecido com a polieuropatia que até então era idiopática. Todos estavam lá, contamos histórias até altas horas da noite, ceamos, e morríamos de rir com as piadas de meu pai que contava do quarto final da casa. Mesmo doente, parecia imbatível, inabalável.
No dia seguinte, nos despidimos de nossos pais e deixamos a casa vazia. Ao chegar em Manaus em pouco tempo mudei para onde meu irmão iria morar, e no dia 09 de Janeiro de 2003 tive uma conversa inesquecível com meu irmão Gilson.
Ele me perguntou se eu realmente queria fazer medicina, se sabia que ao abraçar a profissão não teria feriado, dia santo, muito menos deixaria de ser médico ao retornar para minha casa, um pouco assustado respondi: mesmo assim desejo ser médico. Ele retrucou: pense melhor, amanhã me responda.
Dormi assustado e pensativo. No dia seguinte no café, já o avisei, sim é isso que quero. Ao retornar do trabalho, montamos um cronograma e uma estratégia de estudos, não frequentaria cursinho, pois, tinha o material a disposição em casa, fruto do terceiro ano do segundo grau que estudei nos Colégios Objetivo. Isso me deixou preocupado, no entanto, chamei a responsabilidade para minhas costas, e o fracasso ou a vitória dependeria apenas de mim.
Segui o cronograma rígido, tinha horário para tudo, inclusive para frequentar a academia, das 18:30 as 19:30, quando chegávamos ele dormia, e eu ficava até meia noite estudando. Meu fim de semana restringia-se a um sábado a tarde, pois pela manhã era dedicado a redação.
Chorava quase todas as noites a ver carnaval, aniversários, e outros eventos passarem sem minha presença. Entrei no que podemos chamar de retiro intelectual. Essa rotina pesada só foi quebrada em duas ou três vezes as quais ou fomos a casa de Amarildo ( amigo irmão de Gilson) ou a um Show de Nilson Chaves que recebi como um presente. E as coisas não pararam por aí...

Fazenda Aliança nos dias Atuais.